segunda-feira, 31 de março de 2014

Sem sol


(fragmento do texto “Toda a Tristeza do Mundo”)
Se Van Gogh havia sido o filme mais ensolarado de Pialat, seu último longa-metragem, Le Garçu (1995), sefecharia em nuvens novamente: o filme se transporta de um clima de férias de verão ao som de reggae (com a vida conjugal já em crise) para um cenário cinza e invernal (com o casal já vivendo separado). Mais singelo e menos amargurado que as obras anteriores do diretor, Le Garçu possui, entretanto, uma tristeza de fundo que é quase tão desoladora quanto a de seus filmes dos anos 1970.
Em Nós Não Envelheceremos Juntos, o relacionamento acaba depois de seis anos e não sobra nada de palpável, somente uma lembrança, uma imagem fugidia, como aquela imagem já refratada pela luz da memória que encerra o filme mostrando Marlène Jobert na praia – imagem mental, flashback, sonho? Em Le Garçu, o casal teve um filho antes de se separar. Um vínculo efetivo permaneceu daquela história a dois já terminada, um vínculo que, para dizer o mínimo, não é mais da ordem fantasmática da imagem memorial.
O plano da criança se desgarrando de seus colegas durante uma excursão escolar e caminhando sozinha num parque, com folhas secas sendo arrastadas pelo vento ao seu redor, é a imagem mais forte de Le Garçu: Pialat faz todo e qualquer espectador se enxergar nesse filho do inverno condenado a descobrir o mundo sozinho, não importa o quão ausentes ou presentes serão seus pais. Após a visita ao hospital e a cena da morte do pai do personagem de Gérard Depardieu, compreendemos que Le Garçu condensa em uma só obra a trilogia da vida que seus três primeiros longas compõem (Infância Nua, Nós Não Envelheceremos Juntos e La Gueule Ouverte: infância e solidão, vida adulta e separação, velhice e morte).
Entre Le Garçu e a data da morte de Pialat, decorreriam oito anos de reclusão e silêncio. Os Cahiers du Cinémaforam atrás dele em 2000 e fizeram uma longa entrevista. Ideias não faltavam, mas a saúde já debilitada o impedia de trabalhar. Ele viria a falecer no dia 11 de janeiro de 2003, aos 77 anos.

Luiz Carlos Oliveira Jr.
(texto na íntegra: http://www.revistainterludio.com.br/?p=3463)

Nenhum comentário:

Postar um comentário