domingo, 6 de julho de 2014

Clube da Leitura O Bairro


O Coletivo Atalante o convida a participar do Clube da Leitura O Bairro. Inspirado na obra homônima de Gonçalo Tavares, este Clube segue o exemplo dos Clubes do Livro (Club Book), ou seja: será selecionado um texto literário; os participantes do grupo se encarregarão de adquirir a obra e lê-la; depois serão propostos encontros para conversas sobre as ideias, teses, impressões, sensações, críticas e teorias que ganharam vida sob o efeito da leitura.

Mediação de Murilo Coelho e Lucas Buchile.

Para maiores Informações: leia abaixo sobre os aspectos funcional e conceitual do Clube.

Programação:

06/08 - Evento de Abertura com Leitura performática e Apresentação do Projeto.

20/08 e 03/09 – Conversa sobre a leitura da obra: A Desumanização, de Valter Hugo Mãe;

17/09, 01/10, 15/10 e 29/10 – Conversa sobre a leitura da obra: Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

Horário: 19h a 22h.

Local: Casa da Leitura Dario Vellozo. Praça Garibaldi, 7 – Largo da Ordem.

Vagas Limitadas!

Inscrições e outras informações: coordenacaodeliteratura@fcc.curitiba.pr.gov.br

Ingresso: Gratuito, mediante inscrição.

Apresentação O Bairro

Aspecto Funcional

A partir da leitura prévia de determinado fragmento da obra escolhida, realizaremos encontros quinzenais para conversar sobre o trecho lido. A ideia que nos mobiliza é promover um espaço de diálogo para a troca de diferentes impressões sobre a leitura. Cada participante poderá selecionar, a partir do fragmento lido, excertos específicos para colocarmos em pauta e relermos nas reuniões. Além disso, nossa intenção é trazer artistas de diferentes áreas (teatro, música, desenho, pintura, gravura e etc.) assim como leitores de diferentes áreas do saber (psicologia, filosofia, história, sociologia, antropologia e etc), para potencializar as possibilidades interpretativas das obras em questão. Cada atividade será conduzida por dois mediadores de leitura, visando inviabilizar qualquer pretensão de unilateralidade exegética. A fim de respeitar o tempo de leitura de cada leitor, dividiremos a obra em partes pequenas que viabilizem a leitura de todos em tempo hábil. Importante frisar que a aquisição de cada livro ficará a cargo dos participantes.

Aspecto Conceitual

Sejam bem vindos ao “Clube da Leitura O Bairro”.

Nosso desejo de ter um Clube do Livro (Club Book) sempre foi premente, no entanto, esbarrávamos em algumas dificuldades. Após o contato com a obra literária de Gonçalo Tavares, “O Bairro”, todo o aspecto conceitual e teórico do Clube começou a ganhar corpo. Tavares criou um espaço fictício onde vários escritores moram, são vizinhos uns dos outros, se cruzam nas ruas, se reúnem para encontros amenos em Cafés ou discussões acaloradas em Botecos, vão a palestras, ao Cinema, ao Teatro, dialogam intimamente ou acenam-se à distância. Naturalmente, dos encontros deles surgem entendimentos e desentendimentos mútuos que acabam por influenciar as trilhas estilísticas e as ideias de cada um. Portanto, o que estamos dizendo é que Tavares criou um Bairro onde seus moradores, grandes escritores de todos os tempos, são contemporâneos e conterrâneos. Sim, se neste Bairro o cego Jorge Luis Borges querer atravessar o sinaleiro, talvez Guimarães Rosa ou Marcel Proust o ajude nessa empreitada (Borges terá sorte se, nesse caso, não encontrar Joyce ou Homero!). Se Franz Kafka estiver aflito com seu futuro incerto com Felice Bauer, talvez ele compartilhe suas aflições com Fernando Pessoa (também às voltas com sua Ofélia). Ou caso Samuel Beckett esteja passando por um de seus momentos de profunda depressão, talvez ele se encontre em um Boteco, para um diálogo dispersivo e etílico, com Paul
Cézanne, Arthur Rimbaud, Federico Fellini, Clarice Lispector e Pina Bausch. Ou talvez Beckett prefira o suposto conforto e a suposta segurança de um divã, e assim se dirija a uma das clínicas psicanalíticas do Bairro (‘O Id e Suas Sombras’, do Dr. Freud, ou ‘Objeto a’, do Dr. Lacan). Aristóteles, em “De Anima”, se perguntava: “Onde está o capricervo? Onde está a esfinge? Onde está a quimera? Que lugar é esse onde se depositam todos os produtos da imaginação?”. Este lugar é, como nos diz Giorgio Agamben, o topos outopos, ou seja, o “lugar não lugar” onde podemos encontrar as produções da imaginação. Agamben: “Um lugar que nos acompanha, que nos habita e ao qual habitamos, mas que não o vemos ou tocamos, no entanto, ele é o mediador de nossos olhares”. O Bairro é também um topos outopos, assim como é também um corte sincrônico a conjugar artistas distintos de tempos distintos, um amplo quadro intertextual ou uma forte desleitura do texto de Jorge Luís Borges em alguns de seus preceitos mais enigmáticos. Mas, antes de tudo, O Bairro é uma ficção de Gonçalo Tavares que nos inspirou a criarmos este Clube da Leitura. Basicamente, esta ideia vai nos servir para articularmos as mais distintas linguagens artísticas (tendo como centro móvel, evidentemente, a literatura), assim como vai nos servir para colocarmos em interação, ou melhor, em interanimação, os textos literários que vamos ler. Fora isso, O Bairro é também uma curiosa metáfora para nossos encontros, afinal, também habitaremos topos outopos, traçaremos cortes sincrônicos, quadros intertextuais e, principalmente, realizaremos desleituras dos autores e textos que vamos ler. E eis aqui um segundo ponto importante neste Clube, a noção de leitura. Afinal, por que Clube da Leitura ao invés de Clube do Livro? Pretendemos aqui enfatizar uma noção de leitura que nos é cara. Lucrécio e Epicuro teorizaram sobre os átomos e as possibilidades de criação em nosso mundo: “Quando átomos se movem para baixo através do vazio, graças ao seu próprio peso acabam desviando um pouco no espaço em um tempo completamente incerto e em lugares incertos, apenas o suficiente para que você pudesse dizer que seu movimento mudou. Mas se eles não tivessem o hábito de se desviar, todos eles cairiam direto através das profundezas do vazio, como gotas de
chuva, e nenhuma colisão ocorreria, nem qualquer golpe seria produzido entre os átomos. Nesse caso, a natureza nunca teria produzido nada”. É esse desvio que garante à natureza a criação, esse choque entre corpos distintos, este encontro das partículas dos acasos. Acreditamos que a leitura é sempre um ato de releitura, no sentido de que quando, realmente, lemos, o que fazemos é alterar nossas imagens sobre o eu e o mundo. Também não é possível realizar uma leitura efetiva sem relermos e re- significarmos porções de saberes e de sensações que nos habitam... algo se passa por detrás do olhar daquele que lê. É como uma afirmação da vida, uma novidade no dia, uma fratura do tempo, a leitura seria um ato vital de renovação psíquica e epidérmica, como se encontrássemos uma sensação nova. Tal concepção sobre leitura, brevemente esboçada, retira a leitura do seu lugar comum. Não estamos pensando a leitura como o ato de folhear páginas de um livro e decodificar signos percebidos, pensamos antes na leitura como um ato de percepção e de sensibilidade diante da vida como um todo. Aquele que está lendo sempre encontra algo, sempre percebe alguma coisa que antes não supunha a presença, por vezes esse encontro ou percepção são tão marcantes que nossa sensibilidade sofre um abalo, meio que engravida, meio que se perturba, sem sombra de dúvidas se matiza, se irisa, alonga uma perna ou uma asa. Algo se passa em nós e esse algo é tão cheio e por vezes desmesurado que precisamos falar, contar, compartilhar, enfim, passar à frente esse inusitado germinar que nos sucedeu.
Acreditamos que a palavra é semente a fecundar o real, esse real lacaniano sempre esquivo, sem face possível, um real que nos escapa, sendo assim a palavra é sempre semente à cata do real, desse real que é corpo, dessa sensibilidade que não é alma mas é terra, é carne, como diria Paul Valéry: “O mais profundo é a pele”. O que se renova com uma leitura são as próprias células que condimentam o cabimento do mundo em nossas visões e em nossas sensações.
Portanto, nossos encontros supõem essa noção de leitura enquanto renovação e re-significação daquilo que lemos. Desviar, reelaborar, recriar! O leitor aqui é livre, sem as amarras do discurso crítico conceituado e endeusado, aqui estaremos mais para, como nos aconselharia Oswald de Andrade, antropófagos. Pretendemos aqui seguir o conselho de Gilles Deleuze: devemos enrabar os outros! Eles são solos a aguardar nossas sementes para futuramente germinarem nossos filhos, barrigudos daquilo que sonhamos e sentimos. Quando Roland Barthes decretou a morte do autor para então fazer nascer o leitor, muitos se escandalizaram, muitos ainda se escandalizam com tal ideia, tal pensamento. Mas, na verdade, este ato foi um dos atos de maior generosidade teórica no século XX. Todo grande escritor escreve sonhando com um grande leitor, a todo escritor artista se agrupa uma legião de leitores artistas. Por esse motivo nossos
encontros serão para discussões, apresentação de pontos de vistas, compartilhamento de leituras, de experiências. Por esse motivo teremos artistas visuais nos contemplando com desenhos e ilustrações que lhes foram suscitados pela leitura, músicos nos embalando em composições fecundadas pela literatura, escritores que geraram escritos graças a certos estímulos verbais e, evidentemente, leitores que pariram sensações e percepções literárias.

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