domingo, 30 de novembro de 2014

Para além das estrelas


Havia o teatro (Griffith), a poesia (Murnau), a pintura (Rossellini), a dança (Eisenstein), a música (Renoir). Mas agora, existe o cinema. E o cinema é Nicholas Ray.

Por que razão ficamos gelados perante as fotografias de Bitter Victory, embora saibamos que são as fotografias do mais belo dos filmes? Por que não exprimem nada. E por boas razões. Enquanto que uma fotografia apenas é suficiente para simbolizar Broken Blossoms, uma apenas de Charles Chaplin em A King in New York, uma apenas de Rita Hayworth em The Lady from Shanghai, uma apenas, até, de Ingrid Bergman em Eléna, a fotografia de Curd Jurgens, perdido no deserto de Tripoli, ou de Richard Burton ridiculamente vestido com um albornoz branco, já não tem qualquer relação com Curd Jurgens ou Richard Burton no ecrã. Um abismo que é todo um mundo. Qual deles? O do cinema moderno.

E é neste sentido que Bitter Victory é um filme anormal. Já não nos interessamos pelos objectos, mas por aquilo que existe entre os objectos, e que se torna, por sua vez, em objecto. Nicholas Ray obriga-nos a ver como real aquilo que nem sequer víamos como irreal, ou que nem víamos. Bitter Victory parece-se com aqueles desenhos que pedimos às crianças para encontrar, à primeira vista, o caçador entre um aglomerado de linhas sem significado.

Não se deve dizer: atrás de um raide de um comando britânico no quartel-geral de Rommel, dissimula-se o símbolo da nossa época, pois não existe nem atrás nem à frente. Bitter Victory é aquilo que é. Não existe, de uma parte, a realidade, que é o conflito entre o tenente Keith e o capitão Brand, e de outra parte, a ficção, que é o conflito da coragem e da cobardia, do medo e da lucidez, da moral e da liberdade, do que sei e que sei. Não. Não se trata mais da realidade nem da ficção, nem de uma que ultrapassa outra. Trata-se de outra coisa. De quê? Das estrelas, talvez, e dos homens que gostam de olhar para as estrelas e sonhar.

Magnificamente montado, Bitter Victory é superiormente interpretado por Curd Jugens e Richard Burton. É a segunda vez, de pois de Et Dieu... créa la femme, que acreditamos na personagem Curd Jurgens. Quanto a Richard Burton, que soube tirar partido de todos os seus filmes precedentes, bons ou maus, é, dirigido por Nicholas Ray, absolutamente sensacional. Será ele uma espécie de Wilhelm Meister de 1958? Pouco importa. Não seria suficiente dizer que Bitter Victory é o mais goethiano dos filmes. De que serviria refazer Goethe, ou refazer o que quer que seja, Dom Quixote ou Bouvard et Pécuchet, J'accuse ou Voyage au bout de la nuit, visto que já foram feitos? O que é o amor, o medo, o desprezo, o perigo, a aventura, o desespero, a amargura, a vitória? Que importância tem isso quando se olha para a estrelas?

Nunca as personagens de um filme nos tinham parecido tão próximas, e ao mesmo tempo, tão distantes. Perante as ruas desertas de Bengazi, as dunas de areia, pensamos, de repente, e por um segundo, noutra coisa, nos snack-bars dos Campos Elíseos, numa rapariga que amámos, em tudo e em qualquer coisa, na mentira, na cobardia das mulheres, na frivolidade dos homens, nos jogos de máquinas a moedas, pois Bitter Victory não é o reflexo da vida, é a vida em si feita em filme, vista detrás do espelho onde o cinema a capta. É, ao mesmo tempo, o mais directo e o mais secreto dos filmes, o mais educado e o mais grosseiro. Não é cinema, é melhor que o cinema.

Como falar de um filme como este? De que serve dizer que o encontro entre Richard Burton e Ruth Roman, debaixo do olhar de Curd Jurgens, está montado com enorme brio? Poderá ter sido uma cena em que fechámos os olhos. Pois Bitter Victory, como o sol, faz-nos fechar os olhos. A verdade cega.


Jean-Luc Godard

Cahiers du cinéma, n° 79, janeiro de 1958.

sábado, 29 de novembro de 2014

Cine FAP: "Os Quatro do Apocalipse" de Lucio Fulci

Na próxima segunda-feira, dia 1°, o Cine FAP apresenta o filme "Os Quatro do Apocalipse" de Lucio Fulci, dando prosseguimento à mostra Faroeste. Ainda em dezembro teremos a exibição de "Josey Wales, o Fora da Lei" de Clint Eastwood (08/12). 

Sempre com entrada franca!

Cine FAP apresenta: "Os Quatro do Apocalipse" de Lucio Fulci

Um jogador, uma prostituta grávida, um negro que vê fantasmas e um bêbado, que estão juntos na cadeia de uma cidade do Velho Oeste, sobrevivem a um massacre, mas têm que enfrentar o terrível bandido Chaco.

Serviço:
dia 01/12 (segunda)
às 19 hs
no Auditório Antonio Melilo
(Rua dos Funcionários, 1357, Cabral)
ENTRADA FRANCA

Realização: Cine FAP e HATARI! (Grupo de Estudos de Cinema)
Apoio: Coletivo Atalante

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Cineclube Sesi da Casa: "Amargo Triunfo" de Nicholas Ray

Neste domingo, dia 30, às 15h, O Cineclube Sesi da Casa apresenta "Amargo Triunfo" de Nicholas Ray, encerrando o ciclo O cinema hollywoodiano dos anos 50. Em dezembro veremos Dois filmes de Jacques Rivette.
Sempre com entrada franca!

Cineclube Sesi da Casa apresenta:
"Amargo Triunfo" de Nicholas Ray

Durante a II Guerra Mundial, um covarde e indeciso oficial das forças aliadas recebe sem merecer uma condecoração por bravura em combate. Mas o fato da indicação ter partido de um charmoso e destemido capitão que no passado foi amante de sua mulher transforma a honraria em fonte de ódio e desejo de vingança.
 
Serviço:
dia 30/11 (domingo)
às 15h
no Sesi Heitor Stockler de França 
(Avenida Marechal Floriano Peixoto, 458, Centro)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Curso de crítica cinematográfica

No encerramento da programação de 2014, o Sesi oferece o Curso de crítica cinematográfica que pretende, através da leitura de textos e filmes, formar um laboratório de produção crítica com foco no exercício da escrita como canal de democratização do pensamento sobre cinema. 
Ministrado pelo cineclubista Miguel Haoni, do Coletivo Atalante o curso terá um total de 20 horas de duração e ocorrerá entre os dias 1 e 5 de dezembro (segunda a sexta), das 14 as 18 horas, na Sala Multiartes do Sistema Fiep. As inscrições são gratuitas e as vagas lmitadas.

Programa:
Aula 1: Estilo
Aula 2: Mise-en-scène clássica
Aula 3: Autoria
Aula 4: Mise-en-scène moderna
Aula 5: Critérios críticos

Referências: 
1 -  "Nascimento de uma Nova Vanguarda: A Camera-Stylo" de Alexandre Astruc, 1948
2 - "Era uma vez em Nova York" de James Gray, 2014
3 - "Como se pode ser Hitchcocko Hawksiano" de André Bazin, 1954
4 - 
"Bem-vindo a Nova York" de Abel Ferrara, 2014
5 - "Uma Certa Tendência do Cinema Francês" de François Truffaut, 1955
Serviço: 
de 1 a 5 de dezembro (segunda a sexta)
das 14 às 18 horas
na Sala Multiartes do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200 - Centro Cívico - Curitiba/PR)

Inscrições gratuitas na hora e local do curso 
(preenchidas por ordem de chegada)
VAGAS LIMITADAS

Realização: Sesi (http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br)

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Cine FAP: programação de dezembro

Cine Fap apresenta: Mostra Faroeste
Programação de dezembro
01/12 - "Os Quatro do Apocalipse" de Lucio Fulci
08/12 - "Josey Wales, O Fora da Lei" de Clint Eastwood

Serviço:
Sessões às segundas
19 hs
no Auditório Antonio Melilo
(Rua dos Funcionários, 1357, Cabral) 
ENTRADA FRANCA

Realização: Cine FAP
Produção: HATARI! - Grupo de Estudos de Cinema
Apoio: Coletivo Atalante

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Cineclube Sesi: "Guernica" e "Noite e Neblina" de Alain Resnais

Nesta quinta-feira, dia 27, o Cineclube Sesi apresenta os filmes "Guernica" e "Noite e Neblina" de Alain Resnais encerrando o ciclo O cinema segundo François Truffaut. Em dezembro o tema será O cinema segundo Michel Mourlet.
Sempre com entrada franca!

Cineclube Sesi apresenta: 

"Guernica" e Noite e Neblina" de Alain Resnais

O bombardeamento da cidade de Guernica pela aviação nazista, em favor de Franco, é evocado através do afresco de Picasso e de outras de suas obras.

Um dos mais importantes documentários da história do cinema mundial. Realizado em 1955, a partir de um convite feito ao cineasta Alain Resnais pelo Comitê da História da Segunda Guerra Mundial, o filme tinha como objetivo comemorar o segundo aniversário da libertação dos campos de concentração. Mas o impacto das imagens de Noite e Neblina, que ainda hoje assombram a humanidade, e do texto do escritor Jean Cayrol, um ex-prisioneiro do campo de Orianemburgo, suplantaram a sua intenção de memorial dos desaparecidos e transformaram-se num "dispositivo de alerta" contra o nazismo e todas as formas de extermínio. Mesclando imagens coloridas dos campos abandonados e filmes de arquivos, Alain Resnais dá-nos, segundo François Truffaut, "uma lição de história, inegavelmente cruel, mas merecida".

Serviço:
dia 27/11 (quinta)
às 19h30
na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/)

Pat Garrett & Billy the Kid (Sam Peckinpah, 1973)


Mama, take this badge off of me
I can’t use it anymore.
It’s gettin’ dark, too dark for me to see
I feel like I’m knockin’ on heaven’s door.
Knock, knock, knockin’ on heaven’s
door
Mama, put my guns in the ground
I can’t shoot them anymore.
That long black cloud is comin’ down
I feel like I’m knockin’ on heaven’s door.

Antes de produzir Pat Garret & Billy the Kid, Peckinpah já havia decretado o fim da era western no cinema, mas nunca de forma tão romântica e alegórica quanto neste monumento erguido à passagem do tempo – que muito bem pode ser encaixado como último capítulo do epílogo de um gênero. Aliás, tem um único plano, sutilmente posicionado no princípio da fuga que estabelece a caminhada final de Pat e Billy rumo à morte, que mais ou menos representa o próprio filme, em tom e substância: um take em contraluz que mostra a silhueta de um dos protagonistas enquanto anda a cavalo às margens de um lago, no período crepuscular.
É talvez o plano mais representativo de todo o velho-oeste; não este do filme de Peckinpah, mas a própria ação e o exercício de se fotografar o cowboy em passos lentos rumando em direção a qualquer lugar, com o horizonte ao fundo, abusando de uma atmosfera romântica e, porque não, completamente épica. Mas Peckinpah filma tudo ao contrário. Não é no horizonte que se forma a silhueta – ele está encoberto por tantos outros contornos pretos que compõem a paisagem arborística da locação. O que vemos é o reflexo invertido nas águas do lago, sempre tremulas, deixando o cowboy desfigurado, torto, com linhas balançantes.
O que encontramos neste Peckinpah não é o nosso velho-oeste, aquele que tanto adoramos; vigoroso, embrutecido, musicado pelo tilintar das esporas e recheado com a macheza e violência corriqueiras. Pat Garret & Billy the Kid é a distorção, o fim definitivo de tudo isso, mais do que qualquer outro ensaiado anteriormente – não simplesmente o desencaixe do velho código de honra, mas a punição a quem ainda não havia se entregado aos novos costumes, através dos quais a lei finalmente tomava o posto de maestro social, numa forma de tentar coibir a violência e encobrindo, automaticamente, a justiça autônoma, pessoal.
Garret e Kid, sendo assim, representam dois lados de uma mesma moeda. Ambos são homens à moda antiga, velhos amigos, mas que acabam desenvolvendo uma diferença determinante: enquanto Pat se rende ao novo modelo social, Billy nega a adaptação. O fato que os coloca em lados opostos de uma mesma batalha – enquanto um permanece como caça, o outro se transforma em caçador – também motiva a melancolia que tanto as imagens, sempre crepusculares em sua anti-epicidade e não raramente representantes de uma antologia totalmente contrária à mitologia do western, quanto à trilha-sonora de Dylan constroem através de cada seqüência.
Por sinal, o momento-chave do filme, quando Pat finalmente encontra e assassina Billy the Kid, pode ser visto facilmente como o último suspiro do faroeste. Porque todos sentiam o contragosto sempre explícito pelo amargor irrefutável com o qual o personagem de James Coburn mantinha arduamente sua perseguição a Bill-, não por estar realizando um trabalho do qual não se orgulha, mas por saber que, matando Billy the Kid, estaria fatalmente assassinando a si próprio. E poucas coisas são tão dolorosas quanto ver o homem, plenamente iluminado pela claridade solar, trilhar rumo ao horizonte passos mortos que celebram o fim de toda uma era. 
Diferente de tudo o que você já viu no gênero – e na retratação de um mito, coisa feita sem nenhum brilho, sem nada de épico -, talvez por ser o maior anti-western do mundo. Devastador.
Daniel Dalpizzolo
(Texto original: http://multiplotcinema.com.br/antigo/2008/05/17/pat-garret-billy-the-kid-sam-peckinpah-1973/)

domingo, 23 de novembro de 2014

Edifício Billy Wilder (fragmento)


O cineasta dos roteiristas
por Raul Arthuso

Em cinema, adoramos rotular os diretores como “o cineasta da luz”, “o cineasta das mulheres”, “o cineasta da violência”, assim por diante. No caso de Billy Wilder, poderia, sem medo, chamá-lo de “o cineasta dos roteiristas”. Isso soa, a princípio, como ofensa, para uma arte cuja história, principalmente a partir do cinema moderno, foi escrita pelos autores, que, no senso comum, são os diretores. Mas quem além de Billy Wilder ganhou tamanha reputação a ponto de tornar-se o modelo acabado de um grande roteirista, ao mesmo tempo que tornava-se um dos grandes da comédia clássica? Quem além de Wilder vem à mente quando se define um diretor como “aquele que traduz o roteiro em imagens”? Tirando a cena da saia de Marylin Monroe alçando vôo em O Pecado Mora ao Lado (1955), o plano final da loucura de Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses (1950) e algumas porções de gags visuais, o mais marcante no cinema de Billy Wilder, aquilo que levamos para casa após a sessão e fazemos nosso souvenir, a roupa nova, são seus diálogos, as cenas, a estrutura da história como um todo. Isso requer do realizador um alto grau de precisão, de tempo cômico, noção de ritmo e movimentação, o que por si só conta admiravelmente a favor do reconhecimento de Wilder como um bom diretor, para além do roteirista por excelência.
Sua construção dramática é tão perfeita e encaixada que seu cinema parece tê-la como princípio e fim. Wilder filma, em essência, seu edifício, sua obra arquitetônica engendrada nas minúcias da estrutura do drama, da fonética das palavras, dos blocos de ação. Assim, se falamos em “o cineasta das mulheres” porque Dietrich brilha nos filmes de determinado diretor como em nenhum outro, ou “o cineasta da violência” pelo papel crucial desempenhado na obra de tal realizador, não parece equívoco nem demérito chamar Wilder de o diretor da estrutura dramática, da cena, do diálogo, das grandes punch lines. Se não foi visualmente inventivo, foi um bom cineasta de ritmo, um dos mais eficientes, sem significar com isso acomodação ou academicismo.
E mais ainda a seu favor: Wilder parece o ancestral de uma corrente contemporânea de cineastas que criam um universo tão particular e fechado que parte importante de seus esforços está em mantê-lo de pé. Cineastas como os Irmãos Coen e Quentin Tarantino herdaram de Wilder o gosto por universos muito bem desenhados, particularmente medidos, mas, diferente de Hitchcock, fantasiados com loucuras, detalhes picarescos e gags aparentemente fora do controle. Se o mundo de Hitchcock é um trem avançando cada vez mais rápido contra o muro, o de Wilder – levado ao exagero pós-moderno por seus herdeiros – está mais para um carrossel, um ferrorama: o quiproquó inicial gera a base para gags que re-alimentam esse quiproquó. Seus melhores filmes – Quanto Mais Quente Melhor (1959), Se Meu Apartamento Falasse (1960) – tendem à irresolução, uma sensação não propriamente de um “fim do mundo”, mas de deixá-lo a partir de então para o fora de campo, como a manter a estrutura num eterno devir.
Essa construção é claramente mais bem fundamentada quando Wilder trabalha com trios. Jean Luc-Godard certa vez afirmou que todo grande humorista é um geômetra. Os melhores momentos de Billy Wilder acontecem no cômico – e não seriam Crepúsculo dos Deuses e sua “refilmagem” Fedora (1978) dois exemplares de humor negro? – em triângulo dramático cujo estopim é o disfarce, o fingimento, o velado. Seus filmes e o ritmo de seu humor partem sempre de algo escondido que, quando revelado, precisa de reparação, num triângulo de trocas entre o malandro que forja um parceiro e faz alguém de vítima. Quando tomamos O Pecado Mora ao Lado ou Um Amor na Tarde (1957), quase inteiramente de casal, a narrativa manca, algo falta no espaço e a encenação de Wilder perde um eixo evidente, arremedado eventualmente por um terceiro personagem que vem “salvar o plano”: em O Pecado Mora Ao Lado, é o zelador buscando forçosamente invadir a cena; em Um Amor na Tarde, é Maurice Chevallier ou a banda de ciganos onipresente no quarto de hotel de Gary Cooper. Em Farrapo Humano (1945) e Águia Solitária (1957), nos quais o protagonista está sozinho e este tipo de triângulo nunca acontece, o ritmo é frouxo e alongado, diferente do espírito de seus melhores filmes, que correm a galope cada vez mais acelerado.
Seu lado brilhante é mais evidente com este triângulo da malandragem, especialmente quando seus vértices trocam de lugar ao longo do filme. No exemplo mais bem acabado e habilidoso desta marca de Wilder, Se Meu Apartamento Falasse, Jack Lemmon é o parceiro de crime extraconjugal do presidente da empresa onde trabalha e Shirley MacLaine é a vítima, a garota amante que sonha ser esposa, por quem Lemmon depois se apaixona. As trocas no triângulo são de várias naturezas: em dado momento, Lemmon passa a malandro, quando ganha a promoção, depois vira vítima quando apaixona-se. Fred MacMurray, o presidente da empresa, passa de malandro safado a ficar na mão no fim do filme quando, após o beijo automático de ano novo, é deixado por MacLaine que, por sua vez, inverte o papel no amor com Lemmon no último instante. Não apenas há um triângulo amoroso no qual as personagens querem trocar de lugar – a amante quer ser esposa; o escrivão quer ser executivo; o presidente quer ser o galã – como há a troca de lugar físico que reflete o status social, manifestando-se no espaço do trabalho – um triângulo com a sala da presidência como vértice superior, o escritório de Lemmon e o elevador onde trabalha MacLaine como base. É a troca de espaços físicos, de lugar social e de relacionamentos amorosos que movimenta os disfarces, os enganos, os sentimentos e o humor irônico-melancólico de Wilder. A mise en scène da troca, na qual comércio, malandragem e relações sexuais se incluem, é o ideal do cinema de Wilder.
Daí talvez o afamado cinismo do cineasta. Suas personagens querem, essencialmente, dinheiro, fama, status social, um cargo importante, o gozo… enfim, motivações “mesquinhas” dentro de uma moral burguesa que vive no seio das relações de trocas, mas estabelece um código de conduta em que tomá-las como fim em si é pecado. Enquanto Capra encena certo sentimento do homem diante dessa moral, agenciando alguns predicados como correção, simplicidade, amor, Wilder se interessa pela razão prática jogada debaixo do tapete por essa moral. Seus filmes são povoados, no centro, pela plebe, mão-de-obra não-especializada, prostitutas, mercenários, diletantes e roteiristas – curiosamente, diretores de cinema estão em outra alçada – personagens cujo trabalho pode ser comprado por boa quantia pelos patrões, empresários aproveitadores, ricaços safados e espertos de ocasião que os rodeiam. Se existe uma possibilidade de sentimentalismo, ela é rapidamente guilhotinada por uma tirada de efeito, como as famosaspunch lines de Quanto Mais Quente Melhor (“Nobody’s perfect”), Se Meu Apartamento Falasse (“Shut up and deal”) e Beija-me, Idiota (“Kiss me, stupid!”). Uma declaração de amor nunca se concretiza com uma resposta no mesmo tom – suas tiradas cínicas ao “eu te amo” sincero são uma chamada aos “pés no chão”. Wilder é um materialista incorrigével.

A guerra dos sexos

Cameron Crowe: Você acha que merece o estigma de “misógino”?
Billy Wilder: [academicamente] Eu não faço a menor idéia se eu sou ou não.
Audrey Wilder: [da outra sala]: Sim!
BW: Não sou! Eu não acho!
AW: Ele é!
BW: Ok, então, eu sou.” 
Cameron Crowe, “Conversations with Billy Wilder”.

Diferentemente de Cuckor ou mesmo de seu mestre confesso Lubitsch, Billy Wilder nunca se interessou profundamente sobre a questão dos gêneros e a guerra dos sexos, a complexa relação entre eles e a discussão dos papéis de homens e mulheres na sociedade. Se, por um lado, sua visão materialista carrega seus filmes de uma ironia bastante lúcida, por outro torna a busca de mulheres e homens pelo sucesso a qualquer preço algo bastante funcional. Com a diferença de que os homens em seus filmes buscam vários tipos de sucesso – profissional, financeiro, de status social, sentimental, sexual – enquanto as mulheres só querem amor e/ou dinheiro.
Os homens de Wilder são máquinas sexuais em busca do gozo e a diferenciação dos tipos de homens passa sempre entre aqueles que o conseguem ou não. Muitas vezes, esse gozo é perverso – principalmente no caso das ambiguidades do aproveitador, como William Holden em Sabrina (1954) e Inferno Nº 17 (1953); mesmo em Crepúsculo dos Deuses, sua morte não é senão uma espécie de gozo do defunto-autor completando sua mais importante narrativa. Em outras, o gozo é conquistar a garota e corrigir seu pecado original – A Mundana (1948), O Amor na Tarde, Humphrey Bogart em Sabrina.
Contudo, é só com Jack Lemmon que o homem encontra certa complexidade, muito devido ao próprio ator, figura chave no cinema de Wilder. Lemmon é um everyman: não tem a pinta de galã para ser puramente um conquistador, mas não é propriamente um loser. Há uma dignidade em sua persona da qual os protagonistas de Wilder tirarão proveito para atingir uma nova camada que Bogart, Gary Cooper e Tony Curtis não faziam. O cinema de Wilder após Jack Lemmon como braço direito ganha em significados da alma masculina apenas por sua presença em cena, seja fazendo um trabalhador comum em Se Meu Apartamento Falasse, um jornalista viciado em notícias sangrentas em A Primeira Página (1974) ou um marido suicida em Amigos, Amigos, Negócios à Parte (1981). Não mais o homem é um bloco sólido em busca do gozo ou o marido traído ou o perdedor que não pega ninguém; com Lemmon, por procuração, o macho ganha certa sensibilidade e opacidade.
As mulheres, por sua vez, cumprem dois papéis básicos: a esposa e a puta. Em grandes momentos, como em Se Meu Apartamento Falasse e Avanti! (1972), Wilder vai trabalhar no limite entre os dois papéis. Em Se Meu Apartamento Falasse, Fred MacMurray, para se livrar rapidamente do constrangimento de não ter comprado presente de Natal para sua amante Shirley MacLaine, dá uma nota de cem dólares à mulher logo após o encontro amoroso. Essa nota deixa de ser apenas um presente mal-colocado, demarcando a fronteira entre o romance proibido e a prostituição. Em Beija-me, Idiota (1964), a fronteira é mais evidente, pois é espacial: a esposa vai viver uma noite de puta enquanto a puta assume o lugar da esposa em sua casa. Nada, porém, vai além da combinação esposa-puta, e parte da questão masculina gira entre ficar com a mulher que é “pra casar” em oposição às outras – estopim de A Primeira Página.
Seria então Billy Wilder um misógino? Ou esse traço é apenas o calcanhar de Aquiles do diretor, denunciando seu lugar no tempo e na História do cinema? O principal é aventar a possibilidade de, ao contrário dos homens, Wilder não ter seu “Jack Lemmon de saias”. Marylin Monroe é um furacão sexual, Kim Novak foi sexualizada ao extremo em Beija-me, Idiota, Audrey Hepburn ficou a bobinha apaixonada. O mais próximo de repetir no feminino a presença de tela de Jack Lemmon foi com Shirley MacLaine, conseguindo graça e doçura sem cair na mera inocência ou no sentimentalismo do clichê romântico em Se Meu Apartamento Falasse; e um lado sexual sem perder a ternura em Irma La Douce (1963).
Curiosamente, quem paga o pato nessa guerra dos sexos mal-resolvida é o homossexual, o motivo mais recorrente de piadas de seus filmes – mesmo em Quanto Mais Quente Melhor, o bufão da história é o personagem apaixonado por Jack Lemmon travestido. E o desastre de A Vida Íntima de Sherlock Holmes (1970) não parece vir de outro lugar senão de Wilder não ter muito tato em deixar no ar a possível homossexualidade do protagonista.

(...)

Texto na íntegra: http://revistacinetica.com.br/home/edificio-billy-wilder/

sábado, 22 de novembro de 2014

Cine FAP: "Pat Garrett & Billy The Kid" de Sam Peckinpah

Na próxima segunda-feira, dia 24, o Cine FAP apresenta o filme "Pat Garrett & Billy The Kid" de Sam Peckinpah, dando prosseguimento à mostra Faroeste

Sempre com entrada franca!

Cine FAP apresenta:
"Pat Garrett & Billy The Kid" de Sam Peckinpah

O velho Pat Garrett não era mais um fora-da-lei quando é eleito pela população de uma cidade o xerife local. Já seu ex-parceiro, Billy The Kid, continua a atuar no crime. E o trabalho de Pat Garrett é justamente capturá-lo. Então se inicia uma caçada sádica entre os dois, que irá testar se a amizade entre ambos ainda existe.

Serviço:
dia 24/11 (segunda)
às 19 hs
no Auditório Antonio Melilo
(Rua dos Funcionários, 1357, Cabral)
ENTRADA FRANCA

Realização: Cine FAP e HATARI! (Grupo de Estudos de Cinema)
Apoio: Coletivo Atalante

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Cineclube Sesi da Casa: "Amor na Tarde" de Billy Wilder

Neste domingo, dia 23, às 15h, O Cineclube Sesi da Casa apresenta "Amor na Tarde" de Billy Wilder, dando sequência ao ciclo O cinema hollywoodiano dos anos 50 que contará ainda com "Amargo Triunfo" de Nicholas Ray (30/11).
Sempre com entrada franca (e a partir deste mês sempre às 15 horas)!

Cineclube Sesi da Casa apresenta: 
"Amor na Tarde" de Billy Wilder 

Em Paris, Ariane Chavasse (Audrey Hepburn), a filha de Claude Chavasse (Maurice Chevalier), um detetive particular, descobre que um caso de infelidade no casamento resolvido por Claude vai terminar em morte, pois o marido ofendido vai matar o amante da sua mulher, Frank Flannagan (Gary Cooper), um milionário americano. Mas quando vai avisá-lo ela sente-se atraída, mas ele logo viaja. No entanto, a paixão que Ariane sente continua e quando Frank retorna à cidade eles acabam se reencontrando. Como ele é conhecido por seus diversos casos amorosos, ela se inspira nas várias investigações feitas por seu pai para "fabricar" uma série de relacionamentos e, assim, se sentir em igualdade para poder competir com ele e lhe provocar um certo ciúme. Ele decide averiguar a verdade das afirmações dela e, sem saber, contrata o pai de Ariane para investigá-la.
 
Serviço:
dia 23/11 (domingo)
às 15h
no Sesi Heitor Stockler de França 
(Avenida Marechal Floriano Peixoto, 458, Centro)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/

|22/11| Som de Preto Velho


Amanhã às 22:00

92 Graus The Underground Pub
Av. Manoel Ribas,108, 80510-020 Curitiba

Novembro é oficialmente o mês da consciência negra no Brasil, mês marcado pela luta de Dandara e Zumbi dos Palmares, ícones da resistência negra em solos brasileiros, que segue até hoje. Essa data nos serve para resgatarmos, lembrarmos e exaltarmos todos os negros que foram apagados da história brasileira. Viva Dandara e Zumbi! Viva Aleijadinho! Lélia Gonzales! Cuti! Luiz Gama! Solano Trindade! André Rebouças! José Correia Leite! Milton Santos! Alzira Rufino! Abdias do Nascimento! Luiza Mahin! Enedina Alves Marques! E tantos outros que foram esquecidos por serem negros!

Para isso no dia 22, a festa "Som de Preto Velho", será em homenagem a todos esses nomes. Pretendemos trazer um pouco dos ritmos negros originários que foram decisivos para a manutenção da cultura dos povos negros no solo brasileiro, trazer um pouco da história e da luta que foi (e é) o seu reconhecimento no brasil.

-Atrações-
Na pista. A já tradicional discotecagem Som de Preto.
. Maracatu Aroeira

-Entradas-
10 pila até 00h. Depois 15.
*todo o lucro da festa será revertido para a realização da Epahey! O Festival do Fogo no Quilombo Encantado, em prol da Comunidade Quilombola Paiol de Telha

Que este mês de Novembro, assim como todos os outros, seja de muita festividade, alegria e renove as energias para continuarmos buscando uma sociedade com igualdade de oportunidades.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Cineclube da Cinemateca: "A Noiva Era Ele" de Howard Hawks

O Cineclube da Cinemateca apresenta neste sábado, dia 22 de novembro, "A Noiva Era Ele" de Howard Hawks. A entrada é franca!

Cineclube da Cinemateca apresenta: "A Noiva Era Ele", de Howard Hawks


O capitão Henri Rochard é um oficial francês designado para trabalhar com a tenente americana Catherine Gates. Depois de muitos acontecimentos atribulados eles se apaixonam e pretendem se casar, mas encontram dificuldades para entrar na América.

Serviço:
22 de novembro (sábado)
às 15h 
Na Cinemateca de Curitiba (Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 - 3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante.