segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Cineclube da Cinemateca: Três filmes de John Flynn


"A inteligência não é mais rara no cinema que em outros lugares, mas é suficientemente rara para ser digna de comentário sempre que se manifesta. De Na Solidão do Desejo a Testemunha Mortal, a obra de Flynn se constitui um documento vivo sobre a maneira pela qual foi percebendo, delimitando, eliminando, apurando e resolvendo a questão, precisamente, da inteligência.Filmes como A Marca da Corrupção e Scam, onde cada gesto é dirigido de modo a revelar a inteligência dos personagens compostos por intérpretes da fluência de James Woods e Christopher Walken, não apenas são raros como indispensáveis: estar atento à cena e dela exprimir um sentido, um afeto (coisa ainda mais rara que a primeira, e que no final das contas separa o talento da vulgaridade), o abreviamento e a essencialidade na distribuição dos detalhes de sua criação, é exatamente o que Flynn persegue. 
(The sergeant, 1968/EUA – 108 min. Com: Rod SteigerJohn Philip LawLudmila MikaëlFrank Latimore)
França, 1952. Um recém-chegado Sargento se dirige ao Campo Bernod com ordens de assumir seu novo posto. Veterano da Segunda Guerra e condecorado por isso, o severo militar de meia-idade será responsável por incutir disciplina em indolentes soldados pertencentes a uma companhia um tanto desordenada. Entretanto, lidar com crescentes sentimentos obsessivos de afeição será o maior desafio da longa carreira militar do experiente Sargento.

11/12: A quadrilha


(The outfit, 1973/EUA – 103 min. Com: Robert DuvallKaren BlackJoe Don BakerJoanna CassidyTom Reese)
O experiente assaltante Earl Macklin (Duvall) acaba de sair do cárcere. Mal tem tempo de desfrutar sua liberdade em uma pocilga à beira da rodovia juntamente com sua companheira Bett (Karen Black), logo recebe a desagradável notícia do assassinato de seu irmão. Para piorar, um sujeito contratado tenta matá-lo na mesma noite. Vasculhando o submundo do crime para chegar aos responsáveis por trás desses atos, Macklin contará com a ajuda de seu parceiro de assaltos, Cody (Joe Don Baker), que provisoriamente mantém um pequeno restaurante.

18/12: A outra face da violência
(Rolling Thunder, 1977/EUA – 95 min. Com: William Devane, Tommy Lee Jones, Linda Haynes, James Best, Dabney Coleman)
Ao voltar do Vietnã, o Major Charles Rane é recebido como herói em sua cidade, sendo premiado por reconhecimento com um carro e uma maleta com moedas de prata. Mexicanos, próximos dali, ao saberem pela mídia, vão atrás do major para roubá-lo. Nesse processo, matam sua mulher, filho e danificam permanentemente sua mão direita. A sede por vingança é então enraizada.
Serviço:
Todo domingo
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Mais luz


A Brighter Summer Day
 é o quarto filme de um cineasta taiwanês chamado Edward Yang. Não é, no entanto, um desconhecido, visto que seu primeiro filme, That Day On The Beach foi descoberto aqui mesmo em 1984. É, todavia, uma revelação, já que A Brighter Summer Day se impõe, pela amplidão de seu material romanesco e o refinamento de sua mise en scène, como um afresco intimista tão belo quanto os filmes de Hou Hsiao-Hsien. O filme de Edward Yang mostra que a ideia de um cinema jovem está ainda bem viva. Ainda bem.        

A Brighter Summer Day. É a adolescência, a imaturidade , os ritos de passagem, de iniciação, grandes temas eternos das nouvelles vagues, que filma o cineasta taiwanês Edward Yang, menos conhecido que o seu compatriota Hou Hsiao-Hsien, no seu quarto filme, A Brighter Summer Day. Um rapaz de quinze anos, Xia’o Si’r, é confrontado de repente pela verdadeira vida. Em Formosa, no começo dos anos 60, gangues rivais pilham os bairros, o rock’n’roll está no seu auge e a juventude tem o futuro à sua frente. Há certamente a autoridade, esta dos professores, dos pais, mas não importa! Suavemente, Xia’o Si’r, o herói do filme, vai ser lentamente levado, ao fim de um percurso emocionalmente muito intenso, até a tragédia. Entrementes, Xia’o Si’r terá encontrado Ming pela qual apaixona-se loucamente e Ma que se torna seu melhor amigo. A traição, a política e também o crime se misturarão à história. É sobre amor, amizade, rivalidade, violência que se trata. Nós compreenderemos que A Brighter Summer Day é um grande filme romanesco, que dá a ver, sem explicação, sem gordura psicológica, sentimentos, atos, trajetos, o tempo.            

O que é novo comporta em seu seio uma parte obscura. Obscura, não porque ela é incompreensível, mas porque, apesar do seu brilho, ela é impalpável, secreta, pois ela se dissimula ao ponto de que se nós a entrevemos, percebemos com dificuldade que son infracassable noyau de nuit[1] brilha de um esplendor muito particular. A beleza de A Brighter Summer Day é dessa ordem, tanto evidente como clandestina. Aliás, a primeira sequência do filme está inteiramente sob o signo da clandestinidade. Nós estamos em um estúdio de cinema com um metteur en scène e uma atriz. A câmera se eleva lentamente em direção à parte superior (eco, talvez, de um famoso plano de Cidadão Kane) onde estão escondidos dois rapazes que observam a cena. Pouco tempo depois, eles serão perseguidos, em uma cena engraçada, por ter tido acesso àquilo que não deveriam ver. A tensão do olhar é ainda mais forte, de maneira que o olho é submetido à lei da invisibilidade ou, pelo menos, da dissimulação, do que se esconde. Para Edward Yang, o cinema continua a ser uma experiência fundamentalmente clandestina, uma aventura do olhar que gira em torno de um batimento primitivo, de uma cintilação original. A Brighter Summer Day seria mais uma variação sobre o cinema no cinema? Não exatamente. Antes um filme que inscreve literalmente dentro de si o funcionamento da captação da luz, do seu processamento pela projeção, de sua absorção pelo espectador.           

Retornemos ao primeiro plano do filme: uma lâmpada acesa no centro do quadro brota da escuridão. Faça-se a luz! Essa claridade, intensamente luminosa e, no entanto, tão tênue, tão frágil, imprime o seu selo indelével nas três horas excepcionais do filme de Edward Yang. Uma lanterna servirá, aliás, de objeto de transição e parcial – objeto de fetichismo e de troca, exatamente parecido com o cinema, projetando de uma só vez um feixe de luz que ilumina uma parte da cena. Diversas vezes, nós procuraremos um interruptor, nós acenderemos velas, enquadraremos uma lâmpada logo acima de um bilhar, faróis iluminarão a noite, um fósforo romperá de repente a escuridão ou, ao contrário, a luz se apagará bruscamente. Esse extraordinário trabalho sobre a luz – falaríamos mais precisamente de brilho – testemunha de uma concepção geral do cinema baseada na lacuna, onde aquilo que falta é tão capital quanto o que está, tanto no plano da visão quanto no da narrativa. Pela sua atração pela opacidade, Yang propõe uma experiência de cegueira mais potente e, acima de tudo, menos metafórica que aquelas nas quais nós fomos imersos esses últimos meses (em particular em Os Amantes da Ponte Neuf ou em Até o Fim do Mundo). Nenhum personagem cego em A Brighter Summer Day: é o próprio cinema que tende à cegueira para nos conduzir com precisão a uma regeneração do olhar, ao ponto que esse filme me fez pensar na famosa frase de Mizoguchi: “é preciso lavar os olhos entre cada olhar.” O que Yang pratica admiravelmente, inventando para cada plano, um quadro, uma rede de sensações, uma aliança de cores, um espaço-tempo que trabalha nosso olho internamente. Logo, a lacuna: o que reside no campo da visão está, por vezes, no limite da invisibilidade, em um canto do quadro, ou envolto por fragmentos, pela claridade, como nessa sequência de acerto de contas onde a violência se reduz a faixas, turbulências, relâmpagos que torcem a tela, impedindo que o espectador seja pego na armadilha do seu próprio gozo. Yang vai filmar até mesmo o reflexo de dois corpos, não em um espelho, mas em uma porta pintada de branco. Plano-limite que beira o maneirismo, o caráter estrito do pictórico, mas que in extremis lhe escapa ao reenquadrar esses mesmos personagens, fantasmas que voltam a ser humanos, de repente, ao descer a escada. Do mesmo modo, a horizontalidade do quadro é frequentemente quebrada por uma vertical, por uma porta, uma parede, um rodapé, uma abertura (Yang filma frequentemente de um cômodo para o outro), inscrevendo um quadro dentro do quadro e, consequentemente, um esconderijo no plano. Nós estamos, naturalmente, no oposto absoluto do voyeurismo profissional, do exibicionismo declarado. Nós podemos pensar em Ozu, com o qual Yang (que o prefere, talvez, a Naruse) partilha um gosto pronunciado pela frontalidade, mas a diferença entre os dois, reside no fato de que o cineasta taiwanês trabalha essencialmente nos planos-sequências e seus corolários, a profundidade de campo, de tempo, o fora de campo (ele parece, algumas vezes, surpreendentemente próximo da pintura holandesa), enquanto que Ozu visava antes de tudo a superfície, quase a natureza morta (outra maneira de chegar à imagem-tempo descrita por Deleuze). Fora de campo, que em Yang é externo, mas também, nessa lógica do que está escondido, interno ao plano (uma estética do canto). Fora de campo sonoro sobretudo, que nos faz ouvir tiros, ruídos diversos, fragmentos de conversas, o trovão, palavras de ordem, toda uma comunidade de sons, tratada da maneira mais democrática do mundo, que contribui para o refinamento da percepção criada por Yang. Jamais, no entanto, A Brighter Summer Day cai na armadilha do formalismo, sendo nutrido pela palpitação da vida, a sensação do tempo que passa, o sentimento pungente da existência.          

A Brighter Summer Day não é um filme em linha reta, muito menos um filme sinuoso, em vez disso um quebra-cabeça que se ordena pouco a pouco ou, melhor, um tecido sobre o qual estão trançados motivos que convergem paralelamente em um mesmo ponto, um jogo de xadrez no qual as peças seriam deslocadas simultaneamente por uma mão invisível e onde nós ignoraríamos a posição das peças entre si até o fim da partida. Nós poderíamos falar aqui de dramaturgia de agregados, de maneira que Yang dá o sentimento de realizar paralelamente blocos de tempos heterogêneos, juntando-os com um senso de elipse tão surpreendente quanto natural. Não se trata de processos de narração, de montagem, mas simplesmente de estados. Há certamente um personagem central, Xia’o Si’r, cuja importância não cessa de crescer à medida que o filme avança. Esse, adolescente próximo dos personagens de Hou Hsiao Hsien (por exemplo, Poeira no Vento), faz a ligação entre diversos níveis de realidade. Três grandes polos: a escola, a família, a delinquência que remete a uma outra triangulação geográfica, política, histórica, esta de Taiwan, polarizada, simultaneamente, pela China Popular, pelo Japão e pelos EUA. Yang trabalha conjuntamente o individual e o coletivo, resolvendo o conflito muitas vezes visível em outro lugar (na França, por exemplo), entre o intimismo e a História. A Brighter Summer Day é ao mesmo tempo íntimo e histórico, do mesmo modo que é simultaneamente clássico e moderno, violento e contemplativo (um filme yin e yang, por assim dizer!). A América é onipresente, pela simples razão de que ela é um elemento constitutivo da identidade de Taiwan, como também da cinefilia de Yang. O próprio título, A Brighter Summer Day, além da sua alusão à luz (brighter), é o fragmento de uma canção célebre de Elvis Presley, Are You Lonesome Tonight, encarnação do imaginário americano, que é como a sombra luminosa do filme. Na passagem, a palavra exata empregada por Presley, é bright e não brighter: o mal entendido, a decalagem da palavra define perfeitamente a relação com a América, um sonho (rêverie) à distância, uma fantasia pura, um deslocamento sutil, uma visão oblíqua. Outra sequência mostra uma cena de paquera (a palavra é adequada? Não tenho certeza, a cena é tão bela e emocionante que nos faz pensar no seu equivalente em Mes Petites Amoureuses de Eustache) em um cinema onde quatro adolescentes, duas garotas, dois rapazes, vieram ver Rio Bravo. Pelo menos, nós o adivinhamos já que Yang jamais filmará o ecrã, preferindo nos fazer ouvir a banda-sonora, pontuada por tiros da grande cena de tiroteio no fim do filme. Cena mítica, constitutiva de toda uma cinefilia, essa da geração de Edward Yang (que nasceu em 1948). A câmera enquadra os olhares e as mãos, capta a tensão e afirma, de passagem, sem insistência, sem ostentação, em oposição a toda neurose cinefílica, a emoção da descoberta do cinema ligada àquela do amor. A América ainda, com os gêneros: particularmente, film noir e melodrama que são frontalmente abordados, mesmo se eles são tratados de maneira nitidamente mais contemplativa que em qualquer filme americano, incluindo Nicholas Ray, no qual pensamos aqui. A Brighter Summer Day é Juventude Transviada ou Caminhos Perigosos, guerra de gangues adolescentes que exige, além da melancolia, o fluxo do tempo e a dúvida no momento da ação (a passagem ao ato é problemática e, em especial, a relação com as armas de fogo). Como na grande sequência central onde se cristalizam, o tempo de um concerto e por uma deslumbrante simultaneidade, as múltiplas dimensões do filme: romance de iniciação, história de amor, film noir, comédia musical...             

O outro polo é a China, imagem virtual que trabalhada pelos pais. É o exílio, o deslocamento, mas também a obsessão paranoica pelo comunismo. O pai de S’ir, que veio de Shanghai, acabará por ser acusado de simpatizar com o comunismo pelas autoridades taiwanesas, da mesma maneira que seu filho é interrogado pela burocracia do liceu, assim induzindo um vínculo sutil de filiação entre os dois. Pois A Brighter Summer Day está, sem dúvida, sob o signo da memória. Primeiramente, porque a China é essa memória escondida, autêntico fora de campo não somente espacial, mas acima de tudo, temporal. Em seguida, porque o filme se passa em 1960. Sem o mínimo passadismo: contudo, uma sensação fugaz lança um véu sobre a imagem. É a melancolia, o sentimento que algo de irremediável aconteceu, um passado filmado absolutamente no presente e, no entanto, inscrito definitivamente nos arcanos da memória. Nesse sentido, o personagem-chave do filme é talvez o marinheiro, figura fitzgeraldiana, chefe de gangue supremamente elegante e, entretanto, tão frágil, que volta sem avisar no meio do filme e desaparece sem mais nem menos um pouco mais tarde, em uma cena surpreendente de assassinato. Personagem tutelar e secreto que assombra literalmente, através de sua beleza opaca, os outros personagens e o filme em seu conjunto. Eu falei, mais acima, do sentimento pungente da existência; é exatamente disso que se trata aqui, da sua insignificância e sua fulgurância, da sua tragédia e de sua banalidade, à semelhança dessa sequência final onde, após o clímax (que eu não lhe revelarei), uma fita na qual está gravada uma versão de Are You Lonesome Tonight, destinada a Elvis Presley, terminará finalmente em uma lixeira.     

Thierry Jousse                                                                                                                 

[1] Ndt: Referência a André Breton que, na ocasião de uma entrevista radiofônica, lança essa sentença: “É partindo desse ponto de vista que o surrealismo fez de tudo para eliminar os tabus que impedem que nós tratemos livremente o mundo sexual e de todo esse mundo sexual, incluindo as perversões – mundo ao qual eu fui levado a dizer, mais tarde, que ‘em despeito às pesquisas memoráveis que operaram Sade e Freud’, não cessou, que eu saiba, de opor a nossa vontade de penetração do universo seu indestrutível núcleo de escuridão (son infracassable noyau de nuit).”   
(O texto Plus de Lumière foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma, n° 454, em abril de 1992. Traduzido por Letícia Weber Jarek.)

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Cineclube da Cinemateca: "A Brighter Summer Day" de Edward Yang

Neste domingo, dia 20, excepcionalmente às 13h30, o Cineclube da Cinemateca exibe "A Brighter Summer Day" de Edward Yang. Sempre com entrada franca!

Cineclube da Cinemateca apresenta:
"A Brighter Summer Day" de Edward Yang
Ambientando em Taiwan na década de 1960, o filme acompanha o jovem Xiao Si’r em meio a violentos conflitos entre gangues rivais, formadas por adolescentes. A revisitação ao passado traumático das famílias continentais, inseguras quanto ao futuro político, é permeada pela inocência maculada dos adolescentes que protagonizam este delicado épico. Estes jovens descobrem sem nenhum alívio as dores do crescimento, entre paixões, disputas e sentimentos desencontrados. Livremente inspirado em fatos ocorridos durante a juventude do diretor.


Serviço:
20 de novembro
Excepcionalmente às 13h30*
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 - 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Cineclube da Cinemateca: "Quatro Noites de um Sonhador" de Robert Bresson

Cineclube da Cinemateca apresenta:
"Quatro Noites de um Sonhador" de Robert Bresson

Jacques salva Marthe do suicídio. Nas noites seguintes, ambos se aproximam mais e mais. Marthe espera pelo retorno de seu amante que a deixara há um ano e Jacques, nessas quatro noites, se apaixona por ela. Baseado na obra As Noites brancas, de F. Dostoievski. 


Serviço:
13 de novembro
às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 - 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante