segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Cineclube da Cinemateca apresenta Paul Verhoeven


Estamos relativamente acostumados a ver cineastas que filmam com o coração, com o cérebro, com a libido, com a musculatura estriada. Mas e um cineasta que, a isso tudo, acrescenta os intestinos, os humores mais vulgares e menos comedidos? (...) Se desde Welles e Rossellini houve cineastas do corpo, poucos foram (e têm sido) os cineastas das vísceras. A câmera clínica que Sganzerla identificava em seus diretores prediletos, capaz de tatear os corpos e estabelecer uma extraordinária anatomia de superfície, é substituída em 
Louca Paixão por uma verdadeira câmera cirúrgica, cortante e invasiva.

Luiz Carlos Oliveira Jr. sobre Louca Paixão, em http://www.contracampo.com.br/62/loucapaixao.htm

Obs: Todos os filmes têm a classificação indicativa 16 anos.


04/02: RoboCop - O Policial do Futuro

(RoboCop, 1987/EUA – 102 min. Com: Peter Weller, Nancy Allen, Dan O'Herlihy)
Depois de ter sido mortalmente ferido em cerco a marginais, policial é transformado num misto de máquina e homem a serviço da justiça. É quando tem que enfrentar uma gangue disposta a dominar a cidade, sob a custódia legal de poderoso executivo.

11/02: Instinto Selvagem
(Basic Instinct, 1992/EUA – 127 min. Com: Michael Douglas, Sharon Stone, George Dzundza)
Em São Francisco, o policial Nick Curran (Michael Douglas) fica fortemente atraído por Catherine Tramell (Sharon Stone), a principal suspeita de um assassinato. Apesar de ter consciência dos riscos que corre, Curran se expõe cada vez mais, mesmo quando novas mortes ocorrem.

18/02: Showgirls
(Showgirls, 1995/EUA – 128 min. Com: Elizabeth Berkley, Kyle MacLachlan, Gina Gershon)
Uma jovem mulher, decidida a fugir de seu tumultuado passado, vai para Las Vegas com o objetivo de tornar-se dançarina, mas logo tem toda a sua bagagem roubada. No entanto, faz amizade com uma costureira, que trabalha no showbiz, e as duas passam a dividir um modesto local. Para sobreviver, começa a trabalhar como stripper em uma casa noturna de reputação duvidosa e, em virtude do seu belo rosto e de um corpo escultural, também atrai clientes, que desejam fazer com ela a "dança do colo", na qual ela pode fazer tudo com um homem mas ele não pode tocá-la. Com o tempo, ela passa a ser corista no show de um grande cassino, mas surge uma rivalidade indisfarçável entre ela e a estrela do show. Até que, quando ela começa a se envolver com o responsável pelos espetáculos, fica claro que o cassino é pequeno demais para ela e sua rival.

25/02: Tropas Estelares
(Starship Troopers, 1997/EUA – 129 min. Com: Casper Van Dien, Denise Richards, Dina Meyer)
Em um tempo futuro, jovens se alistam para ir à guerra. A batalha acontece em outro planeta, e as ameaças são enormes monstros assassinos assemelhados a aranhas. Em meio à ação, ainda sobra tempo para um triângulo amoroso.
Serviço:
Todo sábado
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Cineclube da Cinemateca: "Os Amantes de Montparnasse" de Jacques Becker

Neste sábado, dia 28, às 16h, o Cineclube da Cinemateca apresenta "Os Amantes de Montparnasse", encerrando o ciclo Os Amores de Jacques Becker. Em fevereiro, apresentaremos alguns filmes de Paul Verhoeven. Sempre com entrada franca!

Cineclube da Cinemateca apresenta:
"Os Amantes de Montparnasse" de Jacques Becker
Biografia que retrata o último ano de vida do pintor italiano Modigliani. Na Paris de 1919, ele se apaixona por uma rica jovem mas seu romance não é aceito pelos pais da garota.


Serviço:

28 de janeiro (sábado)
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

sábado, 21 de janeiro de 2017

Jacques Becker

Amores de Apache

Em Ser ou não ser (To be or not to be) de Ernst Lubitsch, oficiais alemães levam alguns minutos puxando-se reciprocamente os bigodes a fim de desmascarar o impostor entre eles.

É inútil submeter os personagens de Amores de apache a semelhante teste, pois cada fio do bigode de Serge Reggiani é hors concours neste festival de autenticidade.

Amores de apache, por outro lado, foi o único filme que Jacques Becker, normalmente minucioso, maníaco, inquieto e às vezes tateante, filmou de uma vez só, muito depressa, num só fôlego, direto ao fim. Ele mesmo escreveu o diálogo, muito falado, absolutamente natural e tão econômico que parece que Reggiani não pronuncia mais que sessenta palavras.

Para todos aqueles que gostam de Amores de apache, é evidente que Simone Signoret e Serge Reggiani encontram no filme seus melhores papéis, embora o público francês – mas não o inglês, decididamente mais fino – pareça ter vaiado esse casal paradoxal, belo justamente por seu paradoxo: um homem pequeno e uma mulher alta, um gatinho vadio nervoso e uma bela planta carnívora qui ne crache pas sur le frommage.

Se nos interessamos pela construção das histórias, como não admirar a engenhosidade do roteiro e particularmente a maneira vigorosa, desviante e inesperada de chegar abruptamente à execução de Manda por meio de uma cena tão bela quanto misteriosa, a chegada de Casque d’Or a uma taberna em plena noite? Quando estamos em pane, meus amigos roteiristas e eu muitas vezes dizemos: E se adotássemos “uma solução Casque d’Or”?

Amores de apache, que em primeiro lugar é um filme de personagens, é também um filme muito bem sucedido plasticamente: a dança, a briga no quintal, o despertar no campo, a chegada de Manda diante da guilhotina sustentado por um padre, todas essas imagens são capas do Petit Journal ou de L’Illustré e esse encantamento do olhar causado pela ilustração me confirma a idéia de que o cinema tem uma vocação popular e que se engana ao pretender gostar das pinturas dos mestres.

Amores de apache, às vezes engraçado e outras trágico, prova, finalmente, que é possível ultrapassar a paródia através da utilização refinada do tom, olhar um passado pitoresco e sangrento e depois ressuscitá-lo com ternura e violência.

(1965)

Grisbi, Ouro Maldito

Não há nenhuma teoria sobre Jacques Becker, nenhuma análise, nenhuma tese. Tanto sua obra como sua pessoa desencorajam o exegeta e é melhor assim.

Becker, com efeito, não pretende mistificar nem desmitificar ninguém; seus filmes não são nem de “impressão de realidade” nem de “denúncia e crítica”, logo, nosso autor trabalha à margem dos modismos e nós o situaríamos mesmo nos antípodas de todas as tendências do cinema francês.

Todos os filmes de Jacques Becker são filmes de Jacques Becker; isso é apenas uma questão, mas importante. Embora admita-se comumente que é preferível ser o autor dos filmes que se dirige, as razões apresentadas são banais e continua-se a dedicar uma admiração a meu ver descabida às equipes e parcerias. O fato de Renoir, Bresson, Cocteau e Becker participarem da elaboração do roteiro e assinarem os diálogos proporciona-lhes não somente uma maior desenvoltura durante a filmagem como, mais radicalmente, possibilita-lhes recusar cenas e réplicas que são típicas cenas e réplicas de roteirista em favor de cenas e réplicas que um roteirista seria incapaz de conceber. Querem exemplos? A cena de Vivamos hoje (Edouard et Caroline) em que Elina Labourdette interpreta com os olhos assustados, para admiti-la como “filmável” teria sido preciso havê-la testemunhado na vida e depois tê-la pensado enquanto “diretor”.  Não sei se devemos essa cena a Annette Waldemant ou a Jacques Becker, mas tenho absoluta certeza que qualquer outro diretor a teria retirado da decupagem; ela não contribui para que a ação de um só passo, está ali para dar um toque, não de realismo, mas de realidade; também está ali por amor à dificuldade.

Essa busca por uma exatidão de tom cada vez maior pode ser observada principalmente nos diálogos; em Amores de Apache, Raymond (Bussières) entra na carpintaria de Manda (Reggiani) dizendo: “E então, trabalho trabalho, carpina carpina?”; esta réplica não só não poderia ser uma réplica de roteirista como também não é uma dessas que se inventam na hora da filmagem; isso não impede que nesse “trabalho trabalho, carpina carpina” exista uma inteligência (no sentido de cumplicidade: inteligência com um amigo) que me deixa confuso toda a vez que assisto ao filme.

Não é tanto a escolha do tema o que caracteriza Becker e sim a escolha do tratamento do tema, a escolha das cenas que irão ilustrá-lo. Embora mantenha apenas o essencial do diálogo, ou o essencial do supérfluo (talvez até onomatopeias), ele optará de bom grado por escamotear aquilo que qualquer outro além dele trataria o mais cuidadosamente possível para deter-se mais em personagens tomando o café da manhã, passando manteiga em torradas, escovando os dentes, etc. Reza uma convenção que, na tela, os amantes só devem abraçar-se em sobreposição; se o cinema francês mostra um casal se despindo ou andando pelo quarto em roupa de dormir será para fazer gozação. Poder-se-ia pensar que essas regras tácitas são ditadas por uma preocupação com a elegância. O que faz Becker em semelhante caso? Seu gosto pela dificuldade a que já me referi fará com que trate a cena ao contrário das regras. Em Amores de apache ele mostra Reggiani e Signoret de roupa de dormir e, em Grisbi, Gabin de pijama.

Esse gênero de trabalho é um perpétuo desafio à vulgaridade, desafio do qual Becker sai sempre vencedor, pois seus filmes são elegantes e dignos.

O que acontece com os personagens de Becker conta menos do que a maneira como acontece. O enredo, que é um mero pretexto, tende a estreitar-se de filme em filme: Vivamos hoje é apenas a história de uma noitada tendo como acessórios um telefone e um colete de smoking. A história de Grisbi, ouro maldito é apenas a transferência forçada de noventa e seis quilos de ouro. “Interesso-me primeiro pelos personagens”, diz Becker; o verdadeiro tema de Grisbi, aliás, é o envelhecimento e a amizade. Esse tema transparecia no livro de Simenon mas poucos roteiristas teriam sabido detectá-lo e trazê-lo para o primeiro plano, relegando ao segundo a ação violenta e o pitoresco. Simonin tem quarenta e nove anos, Becker, quarenta e oito, Grisbi é um filme sobre a cinquentena. No fim do filme, Max – como Becker – usa óculos “para ler”.

(...)

Para nós, que temos vinte anos ou mais, o exemplo de Becker é uma lição e ao mesmo tempo um encorajamento; de genial conhecemos apenas Renoir; descobrimos o cinema quando Becker estreava; assistimos a seus tateios, a seus ensaios: vimos uma obra se fazer. E o sucesso de Jacques Becker é o de um jovem que não concebia outro caminho além daquele que ele mesmo escolhera, e cujo amor pelo cinema foi retribuído.

(1954)

A um passo da liberdade

(...)

Um cineasta ingênuo não tem muitos problemas de roteiro, uma vez que é facilmente logrado pela história que conta, o primeiro otário, o primeiro espectador. Um cineasta filósofo, que procura expressar ideias gerais, precisa apenas construir uma história para transformá-la no veículo de seu pensamento. Nesse caso também não há problema. Jacques Becker, porém, não era um cineasta ingênuo nem um cineasta filósofo, era um puro cineasta, preocupado somente com os problemas inerentes à sua arte.

Sua precisão básica era obter uma precisão de tom cada vez mais refinada, ou seja, evidente. Como acontece com todos os cineastas que se colocam muitas questões, ele conseguia saber muito melhor aquilo que queria evitar do que aquilo que queria obter. Odiava um tipo de cinema que poderíamos chamar de cinema abusivo, a ênfase, a exploração do erotismo, a violência, o aumento sistemático de tom.

(...)

Jacques Becker era um cinéfilo. Apesar dos vinte anos de profissão nós o sentimos ainda perplexo por haver realizado seu sonho de adolescente, fazer filmes. No final de A um passo da liberdade é emocionante ver seu filho, Jean Becker, surgir bruscamente das profundezas exatamente como Edouard Dhermite-Cocteau surge das ondas em Le testament d’Orphée.

(1960)

Trechos retirados do livro Os filmes da minha vida de François Truffaut.               

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Cineclube da Cinemateca: "Amores de Apache" de Jacques Becker

Neste sábado, dia 21, às 16h, o Cineclube da Cinemateca apresenta "Amores de Apache", que dá continuidade ao ciclo Os Amores de Jacques Becker. O ciclo contará ainda com "Os Amantes de Montparnasse" (28/01). Sempre com entrada franca!

Cineclube da Cinemateca apresenta:
"Amores de Apache" de Jacques Becker
Namorada de um criminoso apaixona-se por um carpinteiro, criando um perigoso triângulo amoroso. Uma história de amor, morte, amizade e ciúmes durante a movimentada Belle Époque. Um dos melhores filmes franceses de todos os tempos, tendo como protagonista Simone Signoret em seu melhor papel. 

Serviço:

21 de janeiro (sábado)
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

sábado, 14 de janeiro de 2017

Édouard et Caroline


Unidade de tempo, dois ambientes, um fio condutor tênue mas sólido: no cinema, raramente o cômico da observação e a sátira de costumes apareceram com tamanha pureza, isenta de qualquer efeito burlesco, de qualquer gag acrescentada ou supérflua. A interpretação, de uma suprema elegância na caricatura, é um regalo – particularmente, aquela de Jean Galland no papel de um grande burguês esnobe e cerimonioso. O refinamento e a limpidez da arte de Jacques Becker atingem aqui o seu apogeu. Para vê-los viver no espaço de uma noite, o espectador é colocado pelo autor na confidência dos personagens ao ponto de ter impressão de tudo saber sobre eles, sobre sua posição social, suas manias, suas fraquezas e seu caráter. Obra-prima de perfeição clássica à francesa, onde a verdade, captada com uma extrema exatidão, se oferece o luxo de parecer superficial.  

N.B. Dois anos mais tarde, em 1953, em parte com a mesma equipe (Annette Wademant, Anne Vernon, Daniel Grélin), Becker filmará uma obra bem próxima de Édouard et CarolineRue de l’Estrapade. Não tão perfeitamente clássica quanto Édouard et CarolineRue de l’Estrapade possui, no entanto, uma destreza, uma graça e um charme maravilhoso. É preciso, por outro lado, reconhecer no crédito da virtuosidade de Becker o fato que ele pôde assinar dois filmes de qualidade equivalente usufruindo do benefício, em um deles (Rendez-vous de juillet), de uma completa liberdade de atuação (seis meses de filmagens, com a possibilidade de improvisar quando quisesse) e, no outro (Édouard et Caroline), sofrendo restrições severas, até mesmo draconianas. No seu simpático livro de memórias, Hier à la même heure, Acropole, 1988, Anne Vernon escreve: “A filmagem de Édouard et Caroline não foi nada divertido. A atmosfera no estúdio estava sobrecarregada. O produtor que não tinha nenhuma confiança no script [...] só se engajava o mínimo possível e nos tinha feito contratos miseráveis. Cinco semanas e nenhum dia a mais estavam previstas para a filmagem e qualquer atraso deveria ser reembolsado pelo próprio metteur en scène. Nessas condições, Becker deveria decidir rápido, não hesitar nunca, não filmar mais que duas tomadas, devido à falta de película. Para esse artista ansioso, isso era a fonte de tormentos terríveis.”

Jacques Lourcelles

(Dictionnaire du cinéma, Éditions Robert Laffont, 1992, Paris. Traduzido por Letícia Weber Jarek.)                                                                                                                                                                                             

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Cineclube da Cinemateca: "Vivamos Hoje" de Jacques Becker

Neste sábado, dia 14, às 16h, o Cineclube da Cinemateca apresenta "Vivamos Hoje", que dá continuidade ao ciclo Os Amores de Jacques Becker. O ciclo contará ainda com "Amores de Apache" (21/01) e "Os Amantes de Montparnasse" (28/01). Sempre com entrada franca!

Cineclube da Cinemateca apresenta:
"Vivamos Hoje" de Jacques Becker
Jacques Becker fez uma trilogia sobre "dois corações é melhor do que um" e Édouard et Caroline, que no Brasil recebeu o título de Vivamos Hoje, é o segundo dela. Édouard é um talentoso pianista pobre, que se casa com Caroline, da alta sociedade. Ele não tem nem um colete decente, para usar com seu fraque, numa recepção em que vai tocar piano para a seleta plateia, convidada pelo tio rico da esposa, então vai tomar emprestado do primo dela, que é louco para tirar uma casquinha de Caroline, então, aproveitando-se de uma briga do casal por causa de um vestido, vai daí que... bem, dois corações é melhor do que um. 


Serviço:

14 de janeiro (sábado)
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

sábado, 7 de janeiro de 2017

Um senhor cinza e preciso


Por Laurence Giavarini        

Este, nós não faremos passar por um gênio, seria uma estatura muito absoluta e muito pesada para quem tinha tão frequentemente na ponta da língua a palavra “desconfiança”(1) e desconfiava, a princípio, do excepcional. Ele parecia mais à vontade, e nos mostra todo o seu potencial (é o caso de o dizer), quando ele descreve a nobreza, a dignidade dos pequenos, das pessoas modestas, dos malfeitores de Casque d’or (Amores de apache) e dos velhos vigaristas de Touchez pas au grisbi (Grisbi, ouro maldito), suas obras-primas como Le trou (A um passo da liberdade) e talvez Antoine et Antoinette (Antonio e Antonieta), do que quando ele trata um personagem já grande, muito maldito, o Modigliani de Montparnasse 19 (Os amantes de Montparnasse): mais que o medo do filme ou da câmera, dos atores, dos diálogos, da própria montagem como o escrevia J. L. Godard (2), é essa grandeza a priori do personagem, essa celebridade, esse caráter de exceção que podem explicar os defeitos do filme, seu peso, sua dificuldade de nos tocar mesmo que se trate da solidão, da miséria e da morte. Aliás, se Jacques Becker leva a sério o drama, ele o dobra, deixa-o aparecer apenas e primeiramente através de uma grandiloquência onde o personagem parece na fronteira do ridículo. Esse é o caso de Philippe Clarence a dar reviravoltas em Falbalas (Nas rendas da sedução) antes da queda final, o de Goupi-Tonkin em Goupi mains rouges (Mãos vermelhas), por exemplo, na cena onde ele nomeia as regiões da Indochina frente ao professor que acha que isso parece tão “certificado de estudos” e prefere as “notícias” poéticas e ocas de Paris por Goupi-Monsieur (mesmo que elas sejam uma verdadeira lembrança escolar...). Robert Le Vigan estava tão impressionante no papel de colono, que anos mais tarde, ele fez-se tratar por “Goupi-Grand Reich” durante seu processo de colaboração (3). Devido talvez essa mesma recusa do excepcional que quando o próprio Becker aparece em Boudu sauvé des eaux (Boudu salvo das águas) de Renoir (1932), ele tem a declamação poética veemente e derrisória: “Poeta, pegue teu alaúde...”. Ou ao contrário, quando é um simples rosto no sketch de La vie est à nous realizado também por Renoir, pegando a fila de espera dos desempregados e contando que a última vez que ele “foi” no cinema, ele ali viu Douglas Fairbanks.        

Esse, célebre por sua elegância, amava talvez as gravatas. Elas têm uma grande importância na obra de Jacques Becker, sempre notáveis, sempre uma peculiaridade dos personagens, ao mesmo tempo seu charme e sua fraqueza. Há aquelas do primeiro Clarence (já Raymond Rouleau) em Dernier Atout de 1942, aquela magnífica quando Mireille Balin põe um braço em torno de sua cintura e o abraça, mas da qual nós também zombamos, tão apaixonado que está, assim como pelas palavras cruzadas. Há aquela de Monsieur, le Parisien de Goupi mains rouges (1943) que entra na sua própria família com o novo nome de Goupi-Cravate (Goupi-Gravata). Há as gravatas de Gabin em Touchez pas au Grisbi, entre elas uma memorável, de bolinhas sobre um terno listrado, diante de Marylin Bufferd de vestido listrado e com uma xicara de chá, essa também de bolinhas. E quando, na manhã de sua fuga, os prisioneiros de la Santé se preparam para a partida, são ainda gravatas que eles amarram em torno de seus pescoços; aquela do chamado Monseigneur é grosseira, cortada de umas das cobertas da cela (Le trou, 1960). Com toda a sua distância, seu senso do derrisório, o uso da gravata é, em Becker, uma forma de precisão, ou seja, de respeito e de leveza do detalhe. Ele não é o herói de nenhuma onda, mas essa elegância diz respeito certamente a sua meticulosidade de cineasta, uma certa lógica do preparativo e da decupagem. Ela pode ser até a única história do filme, quando seu herói se chama Arsène Lupin, cavaleiro e conhecedor de cavalos. Quando Jean Renoir evoca Jacques Becker que foi seu jovem assistente de 1933 a 1939 e que representava para ele o mundo detestado da grande burguesia parisiense, com seu senso da moda, a sua maneira de falar e agir, é para falar de seu primeiro ponto de encontro que foi a cavalaria. E ele acrescenta que “ajuda muito fazer cinema quando se é cavaleiro. É uma ótima educação”. A cavalaria é uma escola de cinema porque ela é uma aula de lógica; quem quer se transportar (sic) deve saber cuidar de seu cavalo, e obedecer às regas do cuidado requeridas pela sua montaria, “isso evita o sentimentalismo” (4). Becker, que amava os faroestes, deveria gostar neles da presença dos cavalos, o ritual das partidas, dos galopes até os estribos. Talvez até da amizade entre os cavaleiros, sua intimidade. Em Minha vida e meus filmes, Renoir conta ainda da sua descoberta do jazz graças à Becker, os Mound-City-Bluebirds de Chicago. Ele fala, sobretudo, de uma amizade tão forte que nós poderíamos acreditar amorosa, principalmente na época de La Grande Illusion (A grande ilusão) quando eles viviam praticamente juntos. Sob este aspecto – de encontro, de amizade e de amor – o mais belo retrato de Jacques Becker é aquele que faz Jean-Pierre Melville.
Se me é permitido dizer algumas palavras sobre Jacques Becker, ele era antes de tudo, extremamente belo, de uma beleza estranha. Ele tinha há muito tempo os cabelos grisalhos, como todo o resto de seu personagem, pois era um senhor cinza. E seus cabelos se tornavam cada vez mais brancos, ele tinha um bigode que ainda conservava devido a sua escuridão, que tinha o hábito de acariciar assim (gesto), todo o tempo, com a sua bela mão de bronze. Ele tinha um olhar... penetrante, olhos marcados pelas olheiras, um grande, grande estilo, uma elegância imensa... Era um Don Juan incontestável, era um personagem que agradava as mulheres antes de agradar os homens. Mas os homens eram conquistados imediatamente pela sua inteligência e sua gentileza. Mesmo se, no começo apesar de tudo, esse belo senhor, inteligente, os fazia frear um pouco sua simpatia. Pois eu vi, eu conheci... homens que não puderam entrar em contato imediatamente com Becker por causa da beleza de Becker. Os homens ficavam frequentemente impressionados pela beleza de Becker. Ele possuía ao mesmo tempo uma aparência aristocrata, e logo no canto do olho uma malícia, uma esperteza, e o conjunto dessa inteligência, dessa esperteza e dessa malícia dava-o uma força considerável”(5).    

Se ele realiza um dos sketches de La Vie est à nous em 1936, depois um curta-metragem em 1938 sobre o Congresso do PC em Arles (La Grande Espérance), e anteriormente com Pierre Prévert dois curtas, Le Commissaire est bon enfant e Le Gendarme est sans pitié (1935), se, além disso, nós excluímos o mistério desse Or du Cristobal, filme de pirata que ele não reconhece (que Jean Stelli terminou em 1939) mas cuja realização lhe é atribuída, essa outra esquisitice dos créditos de L’Heritier des Mondésir de Albert Valentin, roteiro de Aurenche e interpretado por Fernandel, a carreira de Becker cineasta começa a bem dizer durante a guerra, enquanto Renoir está nos EUA. Durante esse período, ele realiza três filmes. Dernier Atout em 1942, entretenimento policial incluindo uma bela espiã, a amizade e a rivalidade engraçada de dois heróis, lenços, pérolas, passagens, uma história de telefone e outra de TSF – é um pouco como Tintim e Tintim no Cariocal, país fictício da América do Sul. Em 1943, Goupi mains rouges é seu primeiro grande sucesso, beneficiado pela garantia literária de Pierre Véry que adaptou seu romance, e pelo cartaz que reproduzia a árvore genealógica da família Goupi com os retratos de cada um de seus atores (5). Ao contrário, Falbalas, filme mais dramático e primeiro roteiro original de Jacques Becker, situado no mundo da costura que ele conhecia muito bem devido a sua mãe, foi mal recebido no seu lançamento na plena euforia da Liberação. Contudo, é um dos Becker mais surpreendentes, um dos mais representativos da sua maneira de artesão que monta costurando os pedaços decupados de cada cena, e do registro particular sobre o qual ele aborda o drama.     

É fácil achar em Falbalas como nos dois precedentes tudo o que, à primeira vista, caracteriza a arte de Becker: o interesse dado aos personagens de forma que ele sabe “matar a marionete” (1), os temas da fidelidade na amizade (Dernier Atout), do amor e da possessão (Falbalas), a descrição de grupos – entre calor e inquietude, as maisons de moda, da família em Goupi mains rouges, a escola de policiais de Dernier Atout – o risco da loucura na solidão; e então a fineza descritiva, a variedade de maneiras pelas quais Becker inscreve seus personagens nos seus meios. Assim, hoje essa obra conserva algo de um retrato de uma época que vai da guerra ao fim dos anos 50. É a burguesia de Rue de l’Estrapade (Brincando de ciúmes) em 1951, a aristocracia, o mundo de Édouard et Caroline (Vivamos hoje) em 1953, é o mundo camponês de Goupi mains rouges, entretanto, pouco situado (o romance de Pierre Véry se passava em 1920), são os operários de Antoine et Antoinette em 1947, os estudantes, a boemia artística de Rue de l’Estrapade, os aventureiros, atores e etnólogos de Rendez-vous de juillet (Eterna ilusão) em 1949, os bandidos de Touchez pas au grisbi em 1954 e de Le trou em 1960. Somente Casque d’or (1952), Montparnasse 19 (1958) e a fantasia que o precede, Les Aventures d’Arsène Lupin (As aventuras de Arsène Lupin) em 1957, estão situados no começo do século. Em 1954, Ali Baba ainda estava em outro lugar, mas com o sotaque marselhês.  

Impressões de uma época e de um país – “só Becker era e continuava francês à francesa, francês como a rosa de Fontenelle e o bando Bonnot” escrevia Jean-Luc Godard em 1960 (6). Esse sentimento daquilo que é legitimamente francês é particularmente sentido nas comédias parisienses, Antoine et Antoinette, ou de maneira mais clara em Édouard et Caroline que atribui um papel importante a um americano (como as comédias de Lubitsch, aos franceses) e zomba gentilmente da anglofilia dos aristocratas: “Caro-laï-ne”. Seria um erro, entretanto, procurar em Becker qualquer projeto à maneira de Zola. Como não há arquétipos em seu cinema, também não há significado, nada de uma visão social... Mais precisamente, uma forma de atenção muito exata às existências, à linguagem de seus personagens, ao mundo no qual eles vivem, uma precisão de entomologista como ele o disse uma vez, com os efeitos de crueza que isso supõe. Mas os humanos nunca são insetos no cinema de Becker, mesmo quando ele os filma das varandas de Rendez-vous de juillet ou de Rue de l’Estrapade. No entanto, é essa atenção que confere tanta justeza aos detalhes de suas histórias, aos objetos inesquecíveis, mas que não procedem de nenhum fetichismo como em Melville, e de nenhuma metafísica como em Bresson; os alhos-porós ou o ferro de passar de Antoine et Antoinette, um colete, um vestido na moda em Édouard et Caroline, a mesa de Isabelle em seu quartinho (Rue de l’Estrapade), os óculos de Gabin em Touchez pas au grisbi.          

Eis o que talvez podemos aprender com Becker. Que ele não tem nenhuma mensagem a entregar, e nós buscávamos em vão nos seus filmes uma intenção de afirmar algo sobre os jovens, sobre os homens que envelhecem ou sobre as mulheres; muito menos a intenção do tema, a grande burguesia, o campesinato, a alta costura. Ele se ocupa apenas de Arsène, Isabelle, Max, Riton, Marie, Jo, Monseigneur, de Gaspard e dos outros. Um filme, uma obra, pode dar conta de uma geração, dar a ver na diferença o sentimento daquilo que é legitimamente francês, mas isso não pode ser, em nenhum caso, uma intenção como nós a sentimos esse ano em alguns filmes franceses, os Paris s’éveille, os Sushi, até, por mais brilhante que seja Jacques Doillon, sua última obra, Amoureuse. E, então, como perguntar a um filme as intenções do cineasta? Ela só pode ser aquela de sua maneira, de seus meios, da história que ele dá aos personagens no tempo – em uma palavra, no cinema nós só podemos situar a definição de valores ou qualquer afirmação em relação a uma prática técnica: os filmes de Becker privilegiam o diálogo, estreitam o quadro em torno dos personagens – pode ser um apartamento em Édouard et Caroline, uma cela em Le trou. E, do mesmo modo que o periscópio artesanal nesse último filme serve para ver o outro lado da parede, para ensinar enfim a verdade sobre o último elo dos cinco prisioneiros, da mesma maneira, é sempre para esses personagens que Becker escreve uma réplica, escolhe uma luz, ajusta um quadro. É porque Goupi-Tonkin não escapa mais da lembrança do assassinato que ele cometeu que Becker o mostra em um flashback, não para explicá-lo ao espectador. Nós poderíamos dizer o mesmo sobre a quantidade de alguns procedimentos antiquados, desfoques, fusões de Falbalas, vozes que ecoam em Antoine et Antoinette quando Antoine é nocauteado e recupera lentamente a consciência. Para citar Becker, como nós não o fizemos muito até aqui, explicando que é preferível começar a filmar cedo: “Eu penso, todavia, que é melhor não filmar antes de ter conhecido o amor, e que é preciso tirar um pouco de tempo para ver os outros viverem.” A lição pode vir de um cineasta morto há trinta e dois anos, ela veio mais recentemente de um Rohmer com quase 72 anos.           

(1) François Truffaut, Os filmes de minha vida.                                                  (2) Jean-Luc Godard, Saut dans le vide (Cahiers du cinéma, nº 83, maio de 1958).         
(3) Anedotas relatadas por Jacques Siclier em La France de Pétain et son cinéma.       
(4) Jean Renoir e Jean-Pierre Melville na emissão de Monique Chapelle Notre ami Jacques Becker (INA, 1975).          
(5) Jean Renoir, Minha vida e meus filmes.                                                        (6) Jean-Luc Godard, Frère Jacques (Cahiers du cinéma, nº 106, abril de 1960).         

(O texto Un monsieur gris e précis foi publicado originalmente na revista Cahiers du Cinéma, n° 454, em abril de 1992. Traduzido por Letícia Weber Jarek.)   

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Cineclube da Cinemateca: "Antonio e Antonieta" de Jacques Becker

Neste sábado, dia 7, às 16h, o Cineclube da Cinemateca apresenta "Antonio e Antonieta", que dá início ao ciclo Os Amores de Jacques BeckerO ciclo contará ainda com "Vivamos Hoje" (14/01), "Amores de Apache" (21/01) e "Os Amantes de Montparnasse" (28/01). Sempre com entrada franca!

Cineclube da Cinemateca apresenta:
"Antonio e Antonieta" de Jacques Becker

Antoine e Antoinette se amam. Ele é operário de uma gráfica e ela vendedora numa loja de departamentos no Champs-Elysées. Levam uma vida regrada e feliz, feita de coisinhas insignificantes, de uma pitada de ciúme e de um punhado de sonhos, até que é ameaçada por um bilhete de loteria que some e finalmente reaparece.

Serviço:
7 de janeiro (sábado)
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante